Você já imaginou comprar um terreno, totalmente legalizado junto aos órgãos competentes e posteriormente ser impedido de construir ou até mesmo de receber alvará? Essa é a realidade que proprietários de terrenos localizados em “topo de morro” na Capital vem enfrentando – e tudo ocasionado por incertezas jurídicas advindas de órgãos como a Floram, que, contradizendo o que já é feito em todo país e também o próprio plano diretor municipal, aplica na capital catarinense um entendimento presente em ato administrativo do CONAMA, de 2002, o qual perdeu eficácia após a promulgação do novo Código Florestal, de 2012.
“A partir do Código Florestal de 1965 foi estabelecido o topo de morro como área de preservação permanente sem, no entanto, definir morro ou topo. E a indefinição dos termos acarretou uma miríade de panaceias infralegais, tais como a resolução 303, de 2002, do CONAMA”, explica o advogado Vinícius Loss.
O novo Código Florestal, de 2012, diminuiu a complexidade da definição desse tipo de área de preservação permanente, estabelecendo critérios objetivos, inclusive em relação à definição de morro (qual altura) e como calcular o seu topo. Loss explica: “enquanto a resolução do CONAMA definia a altura mínima do morro a partir de 50 metros, o novo Código Florestal definiu-a em 100 metros. Lei nova, hierarquicamente superior, naturalmente revoga as disposições mais antigas. É assim que funciona no sistema jurídico. Mas não é assim que tem acontecido em Florianópolis. A FLORAM e o IPUF continuam definindo as áreas de Florianópolis mais elevadas, tais como o Morro da Cruz, que atinge diversos bairros da cidade (Trindade, Agronômica, Centro, Carvoeira), como topo de morro, área de preservação permanente que, por consequência, não poderia ser edificada. Ou seja, todas essas construções que aí estão, pela interpretação da FLORAM, são irregulares e deveriam ser destruídas”, pontua Loss.
Segundo levantamento recente junto à Prefeitura Municipal de Florianópolis, foi possível estimar que, caso a mesma seguisse à risca o que dispõe a lei e demolisse os imóveis que estão em área ilegalmente entendida como topo de morro pela FLORAM, os proprietários da região central da cidade teriam um prejuízo financeiro de R$ 72,1 milhões de reais; a Prefeitura perderia a arrecadação anual de IPTU de R$ 438.881,48, deixaria de arrecadar ITBI com o potencial de R$ 1,44 milhões – recolhido tantas vezes quantas os imóveis fossem transacionados –, deixaria de arrecadar ainda o ISSQN em relação aos imóveis não construídos, com potencial de R$ 65.295,58; e o Estado de Santa Catarina deixaria de arrecadar, de forma direta, o ITCMD, o imposto devido em razão da transferência por morte, de aproximadamente R$ 4.862.500,00, tantas vezes quantas ocorresse a sucessão em relação aos imóveis. E esse prejuízo milionário (R$ 78,9 milhões, somando-se todos os valores, como se fossem perdidos uma única vez) foi apurado em um polígono com apenas 49 inscrições imobiliárias, na Trindade. O bairro inteiro da Trindade tem 494 inscrições imobiliárias atingidas pela definição ilegal de topo de morro. Já a área definida como topo de morro em relação ao Morro da Cruz, no Centro de Florianópolis, engloba 3.624 inscrições imobiliárias, isso sem contar as muitas ocupações clandestinas que nem mesmo constam no cadastro da Prefeitura. Portanto, é possível estimar que o prejuízo de se manter a aplicação ilegal da definição de topo de morro supera em muito a casa dos bilhões de reais. Além desses prejuízos diretos e quantificáveis, há muitos outros indiretos, difíceis de estimar, com perda para o comércio, para prestadores de serviços e para os próprios entes públicos.