Você já ouviu falar em topo de morro? Sabe o que isso, ao pé da lei, significa? Caso não, não se preocupe, uma grande parcela da população também não conhece a fundo a situação e por isso pode ser prejudicada. Proprietários de imóveis localizados em topos de morro na Capital catarinense têm se deparado com problemas relacionados às regras de construção nestes locais. E o pior: os terrenos não foram comprados de forma ilegal, eles receberam aval dos órgãos competentes e agora estão impedidos de construir ou até mesmo de receber alvarás.
“A partir do Código Florestal de 1965 foi estabelecido o ‘topo de morro’ como área de preservação permanente sem, no entanto, definir ‘morro ou topo’. E a indefinição dos termos acarretou uma miríade de panaceias infralegais, tais como a resolução 303, de 2002, do CONAMA”, explica o advogado Vinícius Loss.
O novo Código Florestal, de 2012, diminuiu a complexidade da definição desse tipo de área de preservação permanente, estabelecendo critérios objetivos, inclusive em relação à definição de morro (qual altura) e como calcular o seu topo. Loss explica: “enquanto a resolução do CONAMA definia a altura mínima do morro a partir de 50 metros, o novo Código Florestal definiu-a em 100 metros. Lei nova, hierarquicamente superior, naturalmente revoga as disposições mais antigas. É assim que funciona no sistema jurídico. Mas não é assim que tem acontecido em Florianópolis. A FLORAM e o IPUF continuam definindo as áreas de Florianópolis mais elevadas, tais como o Morro da Cruz, que atinge diversos bairros da cidade (Trindade, Agronômica, Centro, Carvoeira), como “topo de morro”, área de preservação permanente que, por consequência, não poderia ser edificada. Ou seja, todas essas construções que aí estão, pela interpretação da FLORAM, são irregulares e deveriam ser destruídas”, pontua Loss.
O advogado ainda ressalta. “Vive-se uma situação bastante curiosa no centro de Florianópolis, em relação a pelo menos 3.624 terrenos (e muitos outros que não estão nem sequer cadastrados perante a Prefeitura): existem construções atingidas pela definição de ‘topo de morro’ que possuem alvará de construção e alvará de habite-se; algumas outras que possuem apenas o de construção, mas tiveram negado o de habite-se; e existem aquelas outras, a grande maioria, que não possuem nenhum alvará nem outro”.
Mas, você pode se questionar: quem ganha com essa delimitação da área de preservação permanente? Vinícius Loss é taxativo quando afirma que todos perdem. “Os moradores que poderiam ter suas casas regularizadas; a Prefeitura que teria uma arrecadação tributária maior; as pessoas que não encontraram um espaço no centro da cidade, próximo ao seu trabalho e ao comércio e que precisam morar distante; e todos os outros florianopolitanos que perdem com o congestionamento de todos aqueles que precisam morar mais distante do centro”.
A verdade é que proibições genéricas não asseguram preservação ou segurança, apenas abrem caminho para soluções informais e espontâneas, em regra problemáticas, exatamente como se vê hoje no morro da cruz. Além dessa situação, Vinícius traz também para discussão as leis e diretrizes relacionadas à construção civil na cidade, que causam prejuízos não apenas à máquina pública, mas, principalmente, aos cidadãos. Não há dados seguros e oficiais sobre a situação de regularidade dos imóveis em Florianópolis. Um estudo de 2015, financiado pelo BID, apontou uma estimativa de que 44,42% dos imóveis urbanos, do ponto de vista fundiário, estão irregulares. Em relação às construções não existem nem mesmo dados. "Se a administração das cidades não mudar, o sistema entrará em colapso", finaliza Vinícius Loss.
O debate pode também trazer ainda mais dúvidas para a população que já vive em um estado de “abandono” por parte dos poderes que deveriam apenas não atrapalhar o cidadão e garantir a propriedade de cada um. No entanto, o que se vê é justamente o contrário. É o Poder Público prejudicando a propriedade, a moradia, das pessoas. “Se o seu terreno está numa dessas áreas definidas como ‘topo de morro’, enquanto a FLORAM continuar a aplicar esses critérios arbitrários, sem fundamento em lei, a única solução possível para ficar ‘legal’ é enfrentar o aparato estatal com processos administrativos e judiciais, caso a caso, com o apoio de um advogado”, finaliza o advogado Vinícius Loss.